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Especial |
Noturnas Nostálgicas
Por Clackson
Os turfistas mais antigos ao verem a foto abaixo serão transportados para um tempo que vivenciaram intensamente, porém infelizmente não existe mais no turfe paulistano, que era a magia das reuniões noturnas. Em São Paulo, as reuniões davam-se às segundas e quintas feiras (na década de 80 havia reunião nas quartas também) e uma atmosfera toda especial tomava conta do hipódromo nesses dias.
As noturnas cujos programas eram impressos na cor preta para diferenciá-los dos de sábado (azuis) e domingo (vermelhos), eram a extensão ou o início da jornada que se daria no fim de semana e o turfista ao chegar ao hipódromo era brindado com aquele palco verdadeiramente iluminado, onde os grandes jockeys iriam demonstrar a mais fina arte da condução de um cavalo Puro Sangue Inglês: Albenzio Barroso, Antonio Bolino, Jorge Garcia, Ivan Quintana, Gabriel Menezes, Roberto Penachio, João Manoel Amorim, Luis Correa Silva, Luiz Duarte, Edson Amorim, Iorasil Floriano Ribeiro, Eduardo Le Mener Filho, José Fagundes, Luiz Yanez, Luis Antonio Pereira, João Gabriel Costa, Loacir Cavalheiro, Ermelino Sampaio, Geraldo Assis e tantos outros eletrizavam à todos os presentes pela categoria e emoção com que faziam o espetáculo.
Pelo lado dos treinadores, Eduardo Gosik, Pedro Nickel, Abadio Cabreira, Selmar Lobo, Mário de Almeida, Alberto Altermann, Edmundo Campozanni, Amazílio Magalhães, Rafael Rondelli, Alfredo G. Rivera, Milton Singnoretti, Roberto Mesquita, Sílvio Bernardo, Enir Feijó, Abílio Salles Ventura, Augusto Cavalcanti, Walter Marracini, Oswaldo Feijó Neto, Amazílio Magalhães Filho, Oswaldo Franco, Oscar Lima, Anísio Andretta, Altair Oliveira, Walfrido e Dendico Garcia entre outros eram os maestros do espetáculo.
Pelo lado dos criadores nomes como Haras Rosa do Sul, Haras São José e Expedictus, Haras Larissa, Haras Malurica, Haras Inshalla, Haras Ipiranga, Haras Faxina, Haras São Luiz, Haras Morumbi, Haras Expert, Haras Bandeirantes, Haras Kigrandi, Haras São Quirino, Haras San Francesco, Haras Paulistano, Haras Tamandaré, Haras São Silvestre e tantos outros eram as vigas mestras do turfe paulista e suas fardas eram os mantos sagrados com que se celebrava a liturgia do turfe.
Como a retribuir, a platéia comparecia quase que religiosamente e, numerosa, torcia por seus cavalos prediletos e jockeys com quem se identificavam. Como exemplo, a noturna em que a maior lenda do turfe brasileiro de todos os tempos, Luiz Rigoni, voltou a montar em Cidade Jardim, no início da década de 80, o hipódromo foi tomado por uma legião de turfistas, habituais e antigos, ávidos para rever "O Homem do Violino", e para dar uma amostra do que representava aquela noturna, um fato mais do que inusitado, porém retratando os tempos que se vivia, aconteceu: a Comissão de Turfe e a toda Diretoria do Jockey Clube de São Paulo se dirigiram ao padoque para cumprimentar pessoalmente o venerável freio.
Um fato sem qualquer paralelo na história do Clube e Luiz Rigoni ao adentrar a raia, montando a égua Cyta, foi calorosamente aplaudido em pé por todos os presentes, inclusive por quem escreve estas linhas. Um grande momento de uma noturna memorável.
Noturnas em Cidade Jardim (SP) - Tempos de Ouro na década de 80 !!! |
As Tribunas - Especial e Popular - sempre tomadas por um número elevado de freqüentadores (ver foto), eram uma verdadeiro laboratório social, dada a diversidade de pessoas que ali se faziam presente. Depois de corrido um páreo as justificativas que se ouvia sobre o porquê não ter acertado a poule dariam para escrever um tratado psicológico tamanho eram os argumentos, plausíveis e lunáticos. Turfistas folclóricos eram presença marcante nas noturnas, como aquele que ficava junto a cerca metálica que dividia a Tribuna Especial da Popular e quando na corrida os cavalos passavam correndo em frente as Tribunas Especiais, esse turfista simplesmente saia correndo "acompanhando" o train de carreira até a cerca que dividia essa Tribuna com a Sociais. Era assim todo o páreo!!.
Na Tribuna Social era permitida somente a entrada de sócios do Clube e associados de entidades de classe como OAB e CREA, entre outros (a apresentação da carteira dessas entidades era obrigatória). O clima era de Grande Prêmio em toda a noturna, tanto pela emoção e presença maciça, como pela seletividade do público presente naquele espaço e suas dependências.
O binóculo era o acessório essencial para aqueles que queriam ver todos os detalhes da corrida, e para os que não o possuíam era possível alugar um para a reunião no próprio Jockey, num quiosque em frente a entrada da Tribuna Especial, mas para aqueles que o dispensavam era possível naquele cenário espetacular identificar as fardas durante a corrida.
Dentro da já citada liturgia da noturna quase todos os presentes, em qualquer Tribuna, tinham à mão a lendária revista "O Coruja", (notar na foto os turfistas lendo a revista) onde o retrospecto e as indicações seguiam um padrão que até hoje é lembrado pelos turfistas da época. Por exemplo, um animal franco favorito tinha a sua indicação dada como " Venderá caro a derrota. Força", para os demais animais era comum encontrar "Estará com eles no final", " Estaria melhor na grama. Aguardará", " Não rendeu o esperado. Sabe mais", "Não forma o rol dos mais visados" e para os animais fracos não era raro encontrar "Aos azaristas. Risquem".
Após o cânter, pelo auto falante ouvia-se a voz inconfundível do Rubens Camacho para a chamada: " Faltam dez minutos para o encerramento da cada da poule". O velho relógio na Tribuna Social, com as placas indicativas de vencedor, placê e dupla davam o toque nostálgico, além do inesquecível "Japonês", funcionário do Jockey Club que trazia os animais para a foto da vitória e era um verdadeiro photochart humano, dada a sua incrível capacidade em trazer sempre o animal vencedor, independente da dificuldade da chegada. Ele sempre acertava e na foto da vitória entrava novamente a voz do Camacho para o anúncio "Na foto da vitória o animal....de propriedade de.... e criação do....e foi montado pelo......". Impossível esquecer disso tudo.
Nessa época não havia o recurso do televisionamento das corridas, então as alternativas eram: ir ao hipódromo e sentir toda a magia ao vivo, ou sintonizar na rádio Eldorado no programa "Noite de Turfe" e ouvir a narração das corridas pelas vozes inesquecíveis do Henrique Assumpção ou José Lancelotti, e assim fazer da narração do páreo o imaginário transcorrer da corrida. A música, um dobrado, que era tocado na rádio como chamada do páreo era magnética. Qualquer turfista, em qualquer lugar, em qualquer situação, ao ouvir aquele "hino" se aproximava do rádio para ouvir a transmissão.
Esse foi o retrato de um tempo que não volta mais, aliás como tudo na vida, mas não podemos jamais nos furtar de lembrar o quão foi bom ter vivido tudo isso, e principalmente ressaltar que o passado sempre será uma enorme referência para o presente e futuro.