" Uma defesa solitária do regime de freio "
Por
Clackson
Com
a reduzida participação do freio Geraldo Assis, nos programas de Cidade
Jardim, esse agonizante porém imortal regime de montaria está chegando ao fim
e com ele toda uma lendária existência no turfe sul americano.
Em
retrospecto, a Lei do Turfe, promulgada na década de 70, dentre outras coisas
determinou que somente o regime de bridão seria utilizado nas escolas de
preparação de jockeys, pois o argumento foi que , tanto na Europa quanto nos
Estados Unidos este era o regime utilizado, e sendo o freio usado somente em três
países : Brasil, Argentina e Uruguai, seria portanto um caminho natural a
exclusão do freio em favor do bridão.
O
curioso é que se a intenção era importar padrões " para dentro da
raia" , deveriam ter se baseado na importação de padrões "fora da
raia", ou seja, a forma competente com que o turfe é administrado tanto
nos Estados Unidos quanto na Europa, mas não, optou-se por padronizar a
embocadura do animal !!!
O
jovem turfista que lê este artigo, e não viu entre outros, Jorge Garcia,
Antonio Bolino, João Manoel Amorim, Gonçalino Feijó de Almeida, Adail
Oliveira em ação , deve estar se perguntando: - O que tem haver a embocadura
com o animal? A resposta é : Tudo !!.
Antes
cabe aqui uma explicação técnica sobre a diferença entre um regime e outro.
O freio é composto por duas hastes, que interligam-se de forma articulada ( não
necessariamente) , internamente na boca do animal, sendo que essas hastes
possuem duas argolas, uma presa à cabeçada, e a outra presa a rédea, porém aí
reside a diferença fundamental do regime: nessa argola é fixada a barbela, que
nada mais é do que uma correntinha que passa por debaixo da mandíbula inferior
do animal, e que presa a outra argola, permite que, quando acionada a rédea,
ocorra um efeito de alavanca na mandíbula , produzindo um movimento de descida
da cabeça do cavalo.
Percebe-se
aí que no freio um simples movimento nas rédeas com uma das mãos, é possível
ter o controle do animal. Já o bridão compõem-se das duas hastes também
interligadas em forma articulada ( necessariamente), porém com uma única
argola, que presa simultaneamente na cabeçada e na rédea, produz um movimento
de ascensão da cabeça do animal, pois o bridão age na mandíbula superior do
cavalo, e obrigatoriamente , há necessidade do uso das duas mãos para conduzir
o animal.
Há
de se ressaltar que no bridão o jockey encontra mais apoio ao conduzir o
animal, em comparação com o freio, além do que o bridão permite que o piloto
possa estribar mais curto.
No
freio, um jockey mais alto não encontra dificuldades em montar pois pode usar
estribos mais compridos. A embocadura tipo bridão teve origem na Inglaterra, e
foi irradiada desta para a Europa e para suas colônias ( Estados Unidos
inclusive ), ao passo que o freio vem da colonização portuguesa e espanhola,
cuja influência moura é muito grande, sendo que o freio clássico inclusive é
conhecido como o " freio marroquino".
Uma
vantagem do freio é que essa embocadura amansa o animal durante o percurso, ao
passo que para animais voluntariosos, devido a sua característica, o bridão
pode embravecer o cavalo, e animal embravecido durante uma corrida é tudo que o
turfista não quer ver, nem tampouco o jockey e treinador.
Já
perdi a conta de páreos onde o jockey ficou " brigando" com o cavalo
durante o percurso, tentando amansa-lo e o resultado era sempre o mesmo:
Derrota.
A
exclusão do regime de freio, infelizmente limitou aos treinadores a opção de
dar a montaria de cavalos baldosos e voluntariosos à um jockey de freio,
restando apenas a opção ditatorial do bridão, com todas as consequências
mencionadas acima.
Uma
pergunta natural que o leitor deve estar fazendo é: Se o freio amansa um cavalo
voluntarioso, como fazem os jockeys americanos e europeus que usam só o bridão?
A
resposta à essa pergunta leva a um tema polêmico, que no meu modo de ver, é a
base do erro da eliminação do freio no turfe sul americano. Trata-se da
maneira de conduzir um animal.
O
jockey brasileiro monta fundamentalmente diferente do jockey americano e
europeu, pois o conceito de percurso e tocada, que forma a base de nossos
jockeys, é
totalmente
ignorada pela " jockaiada " acima do Equador.
Explica-se:
O jockey americano já larga forte com um animal e forte ficará o train ao
longo da corrida, até a chegada do disco. É praticamente impossível se ver
uma atropelada, digna desse nome, como por exemplo de um Ojantele ou o Bowling,
além do que a tocada desses jockeys deixam um pouco a desejar. Já o jockey
europeu além de largar forte, e gastar o chicote, estriba como se estivesse em
um skate, e toca um cavalo como se estivesse lavando roupa em um tanque, sendo
que deveria ser proibida a exibição de páreos europeus para nossos
aprendizes, por risco de contaminação !!!
O
jockey sul americano ( bridão e freio ) já tem uma outra a escola, que é a
escola do percurso, ou seja, largar calmamente de modo a ganhar preciosas posições
ao longo da distância , dentro da característica do animal, e no momento
oportuno avançar de forma a obter o máximo rendimento do animal. Os bridões
Jorge Ricardo, Gabriel Menezes, Nelito Cunha , e os freios Antonio Bolino e
Jorge Garcia ilustram a descrição acima.
Deduz-se
então que se é necessário conduzir o cavalo de forma paulatina ao longo do
percurso, mais claro fica ainda que o controle do animal deve ser total, e é aí
que entra o freio com sua preciosa propriedade de amansar um animal
voluntarioso, que faz com que este jockey obtenha a máxima performance deste
cavalo.
É
claro que não se tratando desse tipo de animal , tanto o bridão quanto o freio
sul americano vão conduzir o animal dentro de suas características, mas bem
longe da forma " gasolina americana " e " skatista europeu "
!!
Certa
vez questionado sobre a vantagem de um regime em comparação ao outro, um
famoso bridão paulista, do passado, afirmou que a embocadura não influenciava
em
É
no mínimo curiosa essa afirmação, pois o elo de ligação entre um piloto e
seu cavalo é exatamente o contato com a boca do animal, portanto com as maiores
das boas intenções, mãos inábeis podem comprometer a performance do cavalo,
quando não condena-lo à derrota. Curiosidade estatística: O Derby Paulista no
período entre 1960 à 1970, teve nada menos que oito jockeys de freio como
vencedores. É claro que não se trata de uma simples coincidência !!
Resta
agora somente essa defesa solitária de um regime que imortalizou jockeys, como
a lenda Irineo Leguisamo o " Freios dos Freios ", que teve inclusive
uma música de Carlos Gardel em sua homenagem: " Por una cabeza". No
Brasil , uma justa homenagem ao seu mais famoso freio, Luiz Rigoni, cujo dístico,
" O homem do violino" é a mais perfeita tradução do regime, visto
que a posição do chicote entre as orelhas do animal, e a forma com que
segurava a rédea ( clássica no freio) produzia a imediata associação de um músico
com seu violino.
Luiz
Rigoni foi um músico do turfe !!!
O
freio chega ao fim de sua existência física, mas entra para a História e para
a imortalidade da lembrança dos turfistas que viram Dendico Garcia, Pierre Vaz,
Antonio Bolino, Jorge Garcia, João Manoel Amorim, José Alves, Geraldo
Assis,Virgílio Pinheiro Filho, Gonçalino Feijó de Almeida, Adail Oliveira,
José Queiroz, Jorge Escobar, Antonio Ricardo, Edson Ferreira, Eli Machado
Bueno, José Azevedo, Juarez Goulart Dutra, Cláudio Moraes Costa , Loacir
Cavalheiro, Adonir Freitas Correa, José Fagundes, Ermelino Sampaio e tantos
outros mestres que ajudaram a escrever as mais belas páginas do turfe
brasileiro e sul americano.
Este
artigo iniciou com o título "Uma defesa solitária do regime de freio
" , porém caso o leitor queira a expressar sua opinião sobre o polêmico
tema, fica convidado a fazê-lo utlizando para isso o " Livro de
Visitas", que consta na homepage do site Turfebrasil.
Finalizando
e para que fique para sempre na memória do turfista a beleza e estética de um
jockey montando no freio, a foto abaixo é uma chegada histórica entre dois
cavalos excepcionais, Zenabre e Itamaraty, montados por dois gigantes das rédeas
do passado: os freios paulistas Dendico Garcia e José Alves.
Essa
foto também é uma homenagem ao ex-jockey e jornalista Eduardo Garcia Filho,
que por muito tempo escreveu artigos técnicos nas principais revistas de turfe,
sempre em defesa do regime de freio.