Homenagem Junho / 2006
O
Legado de Ivan Quintana
Por
Clackson,
No
turfe, a palavra vitória é uma daquelas que muitos poucos podem pronunciá-la
devido ao fato que nesse esporte não bastam às esporádicas nem as regulares.
A real dimensão dela está na grandeza de algumas poucas que entram para a história
como verdadeiras lendas, tanto pelo animal que venceu, como por quem o montou.
Neste espaço,
grandes profissionais já foram homenageados pela incomum convivência com a vitória
e pela categoria com que chegaram a ela, porém no último mês de maio o turfe
brasileiro perdeu um profissional que sem qualquer sombra de dúvida, poderia
ser qualificado como sinônimo dessa palavra.
A morte do
jockey Ivan Quintana, além de ser uma tragédia para sua família e amigos, é
para o turfe brasileiro uma perda que, vista em perspectiva futura, será uma
verdadeira lacuna em termos de não haver uma propagação de sua técnica para
os jockeys iniciantes e os que atuam no turfe paulista.
Como exemplo,
tomemos a evolução técnica do jockey João Moreira, do turfe paulista, onde
trabalhando para o então treinador Ivan Quintana, teve um crescimento
profissional muito grande, ganhando inclusive uma estatística de vitórias em
Cidade Jardim.
A influência
foi tanta que sua forma de estribar (curta), é inteiramente análoga à famosa
posição do Quintana, que quase deitado nos cavalos, vencia os mais
sensacionais páreos.
A vida
profissional do Quintana iniciou-se de forma meteórica, ainda como um jockey
recém formado pela Escolinha de Preparação do Jockey Club de São Paulo, ele
assombrava o turfe paulistano ao levar o tordilho Chubasco, de propriedade de
Armando Anastácio, no ano de 1.977, às vitórias nos Grandes Prêmios Taça de
Prata, Ipiranga e Derby Paulista. Não houve na história recente do turfe, nem
provavelmente haverá, um jockey que no início de sua carreira mostrasse tanta
precocidade de competência como o então jovem Ivan Quintana.
Chubasco |
Curiosamente
o Grande Prêmio Derby Paulista entraria na vida desse grande piloto como um de
seus “quintais”, pois venceu ao todo quatro vezes essa prova sendo só
superado pela lenda Luiz Gonzáles. No ano de 1.980 ele venceria seu segundo
Derby montando o potro Campal, de propriedade do Haras Rio das Pedras.
Em quatro
anos aproximadamente, Ivan Quintana levantava dois Derbies, e no ano seguinte
com o mesmo Campal ele levantaria o Grande Prêmio Brasil. Com praticamente sete
anos de carreira, o bridão gaúcho acumulou dois Derbies e um Grande Prêmio
Brasil.
Esse feito
dificilmente será superado por alguém e para coroar mais ainda sua categoria,
sempre devemos lembrar que, o então novato Ivan Quintana se destacava em uma época
em que o turfe paulista tinha só “reis” na raia, em termos de jockeys, pois
ele estava montando no auge do Albenzio Barroso, Jorge Garcia, João Manoel
Amorim, Antonio Bolino, Loacir Cavalheiro, Gabriel Menezes, Edson Amorim, Jorge
Dacosta, Luiz Yanez, Eduardo Le Mener, Roberto Penachio, José Fagundes,
Ermelino Sampaio e outros.
Montar com
qualquer um dos acima citados seria motivo de curriculum vitae, agora ganhar
deles os Grandes Prêmios que ganhou, tornaram o Ivan Quintana um membro de uma
seleta galeria de notáveis da história do turfe brasileiro.
Sua forma de
pilotar um cavalo era um misto de perspicácia e inteligência, visto que ele
tinha no percurso seu maior diferencial, e no mundo do turfe, raros são os
jockeys que possuem esse dom de colocar um cavalo, ao longo da corrida,
paulatinamente dentro das posições que culminarão com a vitória.
Em outras
palavras, cada corrida do Ivan Quintana era uma aula de turfe, pois aqueles que
o admiravam sabiam que se ele largava na ponta era porque no animal renderia o máximo
nessa posição, e ao contrário, se largava longe, aos poucos ele iria ganhando
posições até a atropelada final, sempre vitoriosa.
Um outro fato
muito comum na sua gloriosa carreira é que ele jamais perdeu um GP por erro de
cálculo, imperícia, partida antecipada etc. Nada disso compunha seu estilo de
montar. O seu estilo era inconfundível, quase deitado no cavalo, e com uma
vigorosa tocada faziam desse grande piloto um vencedor nos mais difíceis páreos.
Sempre frio e
atento a cada detalhe de uma corrida, e principalmente, sabendo dosar com muita
sabedoria o fôlego do animal, ele obtinha um rendimento máximo de seu pilotado
na hora que mais se exigia e estava aí o segredo de sua invencibilidade nas
disputas difíceis.
A sua mais
marcante, e até se poderia dizer, marca registrada, era que nunca ele perdia
uma disputa acirrada no disco. Invariavelmente, todos os turfistas já quase que
por norma sabiam que se havia uma disputa no fotochart, e nele estivesse o
Quintana, o turfista que tivesse as poules dele já podia ir sossegado para o
guichet. Era ele que sempre vencia.
Não poderia
deixar de ser mencionado que trabalhando por quase toda sua carreira ao lado do
treinador Pedro Nickel, um profissional do turfe paulista que pode ser aclamado
como uma verdadeira “enciclopédia” na arte de treinar cavalos de corrida,
ambos formaram uma dupla que representou uma das grandes páginas do turfe
brasileiro.
Vamos
introduzir aqui algumas vitórias desse fundamental jockey, mas o leitor deve
ser alertado para que por mais que o texto tente exprimir o que foi a carreira,
só quem viu o Quintana montar saberá sentir e reviver a emoção dessas vitórias.
Taça de
Prata de 1.983- Lembrada por muitos como a mais incrível chegada da história
do turfe paulista, e o próprio Ivan Quintana tinha uma recordação toda
especial por essa vitória, o potro Full Love (12), do Haras Rio das Pedras, foi
ultrapassado nos últimos 50 metros pelos potros Kishi e Quick as Thunder, e ação
destes era para decidir a vitória entre eles, mas o Quintana exigiu a fundo o
Full Love, o potro correspondeu, reacionou
e no espaço de alguns galões, igualou e ultrapassou seus adversários
levantando o GP. A foto abaixo é uma pequena mostra do que foi essa façanha.
Note leitor a antológica posição desse grande jockey no dorso de um cavalo.
|
Full Love (pelo meio) |
Grande Prêmio
Consagração 1.988 – Ivan Quintana, montando o potro Very Lazy do Haras
Faxina ganhou de ponta à ponta o páreo de 3.000 metros, sendo que toda a reta
final o “matemático” freio Jorge Garcia disputou com ele a ponta com o
potro Jigo, mas no fotochart, deu o que sempre dava: Quintana.
Os turfistas
de SP sabem que ninguém conseguia aparar ruma atropelada do Jorge Garcia. O
Quintana era a exceção....
Esse páreo faz parte do arquivo do site TurfeBrasil ( A Batalha de Waterloo).
Note na foto abaixo que só o cavalo Jigo aparece, contudo o Quintana conseguiu que o Very Lazy tivesse uns “milímetros” a mais que o Jigo. Essa chegada está eternizada em Cidade Jardim.
Very Lazy (por dentro) encoberto |
COPA ANPC:
Numa das mais sensacionais chegadas da década de 80, onde um inédito tríplice
empate estava se configurando com Corto Maltese, Radnage e Oferu Bird, este último
com o Quintana, pelo centro, estavam praticamente igualados, porém o Quintana
conseguiu tirar o último fôlego de seu pilotado e por diferença milimétrica
levantou o GP. Notem a posição dos braços do Quintana em relação aos outros
jockeys!
Para se ter
uma idéia, o cavalo após o páreo teve uma acidose devido ao esforço na
chegada e teve de ser medicado na raia pelos veterinários.
Oferu Bird ( pelo meio) - Corto Maltese por dentro |
Grande Prêmio
Brasil 1.981- Como fora dito, com o cavalo Campal (15) o Quintana levantou seu
GP Brasil com a desclassificação do cavalo Denne, montado pelo jockey
Francisco Pereira Filho, que ao ver que perderia o páreo recorreu à expediente
poucos ortodoxos (note a posição do chicote) e acabou sendo desclassificado.
Campal (15) - 2º no disco - Mas levou na reclamação |
GP São Paulo 1.991 – Neste ano o Ivan Quintana ganhou o único páreo que faltava em sua gloriosa carreira. Montando o cavalo Thignon Lafré, e dando uma verdadeira aula de turfe, o famoso bridão levantou de forma emocionante do Grande Prêmio. Essa vitória está descrita na coluna GP´s Inesquecívies neste site.
Thignon Lafré derrota Falcon Jet |
Derby de
1.990 e 1.993 – Com os cavalos Thignon Lafré (90) e Piá Vovo (93) o Quintana
completou a assombrosa marca de vencedor de quatro Derbies na sua carreira.
A foto abaixo
é o grande jockey vencendo com Pia Vovo (3), e ninguém menos que Romarin (por
dentro) está sendo derrotado por ele.
Piá Vovo |
GP Presidente
da República 1.982 – O cavalo Narbonne (3) com o Quintana atropela e fulmina
seus adversários num páreo que reunia a nata dos milheiros do país, e ainda
quebrava o recorde da distância com 1`35”2.
Narbonne |
GP Linneo de
Paula Machado Gr.2 (1988): Com o mesmo Oferu Bird (6) que levantara a Copa ANPC, Ivan Quintana
quebrava o antigo recorde dos 2.000 metros da areia com 2´03”2.
Oferu Bird |
Montando a égua Gastadora (4) do Haras Fazenda da Toca, o Quintana incluía mais uma prova de grupo I na sua extensa lista de vitórias.
Gastadora - Posição clássica de I.Quintana |
Estatística
de 1.983- Rompendo o longo reinado de Albenzio Barroso, Ivan Quintana nesse ano
vencia a estatística de vitórias em Cidade Jardim levando o chicote de ouro
para casa.
Taças de
Prata: Nada menos que cinco vezes o famoso bridão levantou essa prova: Chubasco
(77), Full Love (83), Kill Me (86), Steff Graf (91) e Soberbo (93).
Garden of
Love: Com essa égua, de propriedade do Stud Chaves e treinada pelo Olavo Jerônimo,
o Quintana colecionou várias vitórias de grupo, inclusive um OSAF, mas uma
particularidade é que nessa mesma época uma outra égua rivalizava com a
Garden of Love. Tratava-se da craque La Greve, de propriedade do Stud Crespi e
treinada por A.G. Rivera. Ninguém menos que Gabriel Menezes era o jockey dessa
égua, e imagine caro leitor, um páreo com duas grandes éguas montadas por
dois dos maiores jockeys do turfe brasileiro. É um misto de nostalgia e orgulho
relembrar esses páreos, pois era um espetáculo à parte ver a classe e inteligência
desses grandes pilotos.
Garden Of Love |
Nicolai: Esse
excelente cavalo, de propriedade do Stud Luiz Omar, e treinado pelo Selmar Lobo
teve em sua campanha como jockeys três nomes de referência no turfe
brasileiro: Albenzio Barroso, Antonio Bolino e Ivan Quintana, porém com este último
esse grande cavalo teve a sua vitória mais espetacular.
No Clássico
ANPC, em 1.600 metros na raia de areia, Nicolai por dentro com o Quintana e
quatro animais, pelo meio de raia, lutavam pela vitória, e quando tudo parecia
perdido para o Nicolai, o Quintana, sempre ele, milagrosamente faz o Nicolai
reacionar, e no disco consegue colocar pescoço à frente e levantar um páreo
que faz parte da história em Cidade Jardim.
Por mais que
escrevamos, nunca haverá forma para mostrar o significou o Ivan Quintana para o
turfe brasileiro. Aqui se tentou, com uma pequena amostra, homenagear esse
grande profissional. Essa tarefa sempre será incompleta.
Ele não está
mais entre nós, mas a suas vitórias permanecerão eternizadas na memória dos
turfistas e profissionais por todo o sempre, e lembre-se caro leitor, sempre que
houver uma chegada com um fotochart difícil, tenha certeza de uma coisa:
“Esse páreo o Quintana não perderia nunca!!”.
Descanse em
paz, grande campeão Ivan Quintana.