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GP´s Inesquecíveis |
"
Essa Griffe era de Paris"
Por
Clackson
Todo
profissional do turfe em sua carreira deverá ter em mente que, por mais
competente que seja, sempre será necessário ter um bom animal na cocheira,
para que este mostre todo seu potencial em vitórias incontestes e assim seu
valor como profissional seja reconhecido.
Vários
são os casos em que diversos profissionais de muita boa qualidade esperaram
anos a fio para ter um cavalo que lhe desse a chance de demonstrar sua
capacidade. Outros, no entanto, devido à fama obtida, já canalizam para si a
preferência de proprietários, em detrimento aos esperançosos e pacientes
treinadores de menor fama.
Pode-se
até questionar se o sistema é justo ou não, mas é assim em todos
os esportes. Quem é bom continua, quem tem potencial deve aguardar sua chance.
No
lado dos aprendizes de jockey, muitas esperanças são depositadas, seja por
treinadores ou proprietários, no sentido de talvez ali poder estar nascendo um
Ivan Quintana, um Gabriel Menezes ou outro grande profissional.
Em
Cidade Jardim, um dos mais notáveis casos de oportunidades aproveitadas,
aliadas a uma qualidade incomum de trabalho foi do bridão Nelito Cunha,
cujo início de carreira, em 1989, prenunciava-se como virtuoso, e
confirmado posteriormente de maneira incontestável.
Com um
período de passagem de aprendiz a jockey profissional de apenas 8 meses e 8
dias, onde completou 70 vitórias, o bridão pernambucano batia um recorde em
Cidade Jardim, pois nunca houvera nesse hipódromo, alguém que tivesse uma
passagem tão curta pela Escolinha de Aprendizes, mas à partir do momento em
que sagrou-se como jockey profissional voltamos ao início deste artigo, em que
é preciso de ter cavalos para continuar a brilhar.
O
treinador Selmar Lobo, um dos grandes nomes da competência em Cidade Jardim,
percebendo o potencial do jovem piloto, começou a dar-lhe oportunidades que vão
se transformando em vitórias, mas ainda para o novato jockey o termo
“consagração" não havia ainda sido obtido, pois as tão necessárias vitórias
de Grupo I não haviam chegado. O dia quatro de Maio de 1.991 seria
uma data que entraria para sempre na vida desse bridão.
Na
véspera do Grande Prêmio São Paulo, são disputados na raia de grama, os GP´s
Associação Brasileira dos Criadores de Cavalos de Corrida, em 1000 metros, e o
GP Organização Sul Americana ao Fomento ( OSAF), em 2.000 metros. Nessa
festiva tarde, o treinador Selmar Lobo tinha uma inscrição em cada páreo: a
suprema máquina de velocidade, Davsoyan, inscrita nos 1000m e força maior da
prova, e no OSAF estava inscrita, Griffe de Paris, até então uma égua sem a
devida evidência. Ambos animais eram de propriedade do Haras Equília, que à
época tinha como farda; branco, estrela preta, mangas com estrelas vermelhas e
boné preto.
Coube
ao Nelito Cunha as duas montarias nesses importantes GP´s, e convenhamos
uma verdadeira prova de fogo, pois um fracasso nessas duas provas refletem-se de
imediato no futuro de qualquer profissional, e principalmente nos que estão
iniciando.
Correndo
como verdadeira barbada, Davsoyan não deu a menor chance as adversárias e
venceu em tempo recorde .
Nelito
Cunha obtivera uma vitória de Grupo I, mas como montara uma favorita, os créditos
a essa importante vitória foram de certa forma minorados, pois vencer com
favorito, convenhamos não é nada assombroso.
No
páreo seguinte, o OSAF, sua montaria não era força de forma alguma, pois o
campo do páreo estava mais do que reforçado, com competidoras do porte de
Lonly, Ialou, Margaux Inshalla, Nitro Girl, Follow the Leader, estas sim depositárias
de todas esperanças (e apostas) do público.
Em
uma raia de grama macia, é dada a largada do páreo onde inicialmente Che
Gentile toma as primeiras posições, seguida por Follow the Leader e Dunguinha
e quase colada à cerca externa a Nitro Girl, e as demais formando um bloco
compacto.
Decorridos
400 metros desde a largada nota-se a aproximação de Follow the Leader junto a
Che Gentile, mostrando assim que não permitiria que esta ficasse na ponta por
muito tempo. Logo atrás Dunguinha e Friday Night e Neneia se vigiavam, mas
Lonly, dirigida pelo imortal Gabriel Menezes e nome maior da prova (e de jockey
também), acompanhava esse lote dianteiro, como a mostrar que sua
montaria poderia assumir o comando do páreo a qualquer momento.
A
Griffe de Paris nesse momento estava no bloco de trás, em último, e para
apreensão de quem havia apostado nela, nada fazia crer que a situação
mudaria, pois não ganhava posições ao longo da reta oposta.
No
começo da curva da esquerda, Follow the Leader tenta tomar a ponta, mas Nitro
Girl fazendo a diagonal toma de fato a ponta, e agora tanto esta como Follow the
Leader, Friday Night, Ialou formam um bloco enquanto a Lonly, um pouco mais
atrás já vai se posicionando para o embate final da reta. Mas e a Griffe
de Paris? Continuava em último!!!!
O
Gabriel Menezes espertamente coloca a Lonly um pouco mais por fora no final da
curva, pois dessa forma, os eventuais prejuízos das balizas internas não lhe
atrapalhariam e dessa forma entram na reta final e a Friday Night
inicia uma arrancada para cima de Nitro Girl que mostrava ainda incomum resistência,a
Ialou logo atrás das duas,começa seu avanço. Mas e a Griffe de Paris? Estava
em último!!!.
Na
altura dos 500 metros finais, Lonly avança matematicamente e o jockey da
Ialou não perde tempo e avança forte contra a Nitro Girl e a Friday Night,
e iniciava-se a batalha pelas primeiras posições, mas as ações de Lonly
indicavam que estava ali a vencedora do OSAF. Será?
A
Margaux Inshalla que até então corria calmamente no bloco de trás atropela
forte sobre as ponteiras, e de golpe coloca-se ao lado de Lonly, e essa
arrancada não estava nos planos dos outros jockeys , tanto que era nítido
que suplantar essas duas éguas seria uma tarefa ingrata. Mas e a Griffe de
Paris? Estava em ante penúltimo!!!
Nos
400 metros finais, Margaux Inshalla aperta firme o cerco a Lonly e o Gabriel
Menezes, usando de toda sua classe e energia consegue livrar meio corpo e ruma
firme ao disco, apesar da carga de sua oponente.
Mas
e a Griffe de Paris? Nem na transmissão da TV estava aparecendo!!!.
Passada
a seta dos 300 metros finais surge um sinal que algo está ocorrendo no bloco
traseiro, pois a Griffe de Paris começava a se movimentar no bloco
retardatário, mas essa movimentação não era comum, pois seus galões eram
por demais largos e várias posições intermediárias foram obtidas, mas para
quem tinha somente 300 metros para tentar uma colocação clássica, até
que estava indo bem.
Lonly
seguia firme na tocada magistral do Menezes, mas Margaux Inshalla continuava
apertando, enquanto Friday Night contentava-se com o terceiro, mas de repente, e
de uma forma sobrenatural, a Griffe de Paris vai ganhando posições por fora,
com uma velocidade absolutamente desproporcional as demais e uma sensação
de que a previsível chegada entre a Lonly e a Margaux Inshalla não seria
tão previsível assim.
Uma
transfiguração total do páreo estava prestas a ocorrer, e o público
percebendo aquela situação, aumentou a vibração.
O
jovem bridão Nelito Cunha havia poupado de tal forma a Griffe de Paris ,
que nesse momento enquanto as energias das demais competidoras apresentavam o
ponto de máximo, sua égua tinha sobras e mais sobras. A impressão nítida
já nos 200 metros finais era de que realmente a Lonly iria levar o OSAF
com Margaux Inshalla em segundo e Friday Night em terceiro lugar, mas o
Nelito Cunha não pensava assim, tanto que mantendo sua pilotada naquele ritmo,
ele tomou o quinto lugar, e olhe que estamos falando dos 200 metros
finais!!!
Como
que uma câmera lenta se abatesse nas demais corredoras Griffe de Paris vai
passando como um bólido, uma por uma de suas adversárias, e nos 100 metros
finais está muito próxima de Margaux Inshalla, por conseguinte, de Lonly.
O jockey da Margaux Inshalla percebendo o súbito aparecimento do "avião"
Griffe de Paris, apela forte para o chicote, seguro que mais alguns metros e sua
colocação estaria defendida. Tola ilusão.
Nos
50 metros finais ( note bem - 50 metros) a Griffe de Paris passa pela Margaux
Inshalla e o Gabriel que já vinha fazendo um esforço enorme para manter a
diferença da Margaux Inshalla, procura tirar as últimas energias de Lonly , e
olhe que se tratando de Gabriel Menezes, ele consegue mesmo, mas quase que por
decreto celestial, aquela tarde pertenceria a dupla Griffe de Paris- Nelito
Cunha, pois sem dar a menor chance de reação à Lonly, a fantástica
Griffe de Paris, filha de Telescópico e April in Paris, se aproxima de golpe da
Lonly, iguala a linha e " matando-a" em cima do disco, levantando
assim o OSAF de 1991 de uma forma absolutamente antológica, fazendo o seu jovem
piloto, uma corrida consagradora.
Creio
que até o treinador Selmar Lobo não acreditava numa vitória daquele nível,
pois nada, absolutamente nada, indicava que o páreo teria um final daquela
magnitude, e se havia alguma dúvida que o Nelito Cunha poderia ser
somente mais um jockey que deu sorte em um Grande Prêmio, essa dúvida cairia
por terra, pois ganhar com a favorita Davsoyan foi uma consequência natural da
categoria do animal, mas ganhar como ganhou com a Griffe de Paris, ia uma longa
distância, pois ele “guardou" sua pilotada de uma forma incomum, e o que
é muito mais difícil no mundo das corridas: dar a partida no animal na
hora exata. Nem antes nem depois, mas na hora exata. O jovem bridão
mostrava um cálculo de corrida, que não ficava nada à dever para jockeys
da elite do turfe paulista.
Para
provar que aquela magistral demonstração de capacidade técnica, não
era obra do acaso, no dia seguinte, ao correr a milha internacional, páreo
que antece do GP São Paulo, o jovem piloto montando o obscuro cavalo Du Bec, tira
um segundo lugar num páreo onde nomes favoritos como Toganho, Ling, Houret,
Vuarnet, Neyfields tinham toda preferência do público.
Em
resumo: em quatro GP´s , Nelito Cunha obtinha duas vitórias e um segundo
lugar, em provas de grupo I e isso aos dezenove anos !!!.
Aquelo final de semana turfístico mostrou o nascimento de duas referências do turfe brasileiro nos anos vindouros: O Haras Equília que mais tarde viria a ganhar todos os importantes páreos do turfe sul americano, sendo uma verdadeira fábrica de campeões, e um jockey que iniciava uma carreira que o colocaria ao lado de monstros sagrados das rédeas como Jorge Garcia, Ivan Quintana, Luis Duarte, Jorge Ricardo, Juvenal Machado Silva e outros.
Griffe de Paris entrando para o canter
Em
um desfile de moda o que vale para seduzir o público é o poder da griffe,
mas naquela tarde de quatro de Maio de 1.991, Cidade Jardim assistiu a um
outro desfile, onde a Griffe era de Paris.