GPs Inesquecíveis
O
Anseio era de todos
Por
Clackson
No
fantástico mundo da criação do Puro Sangue Inglês, numerosas variáveis são
levadas em conta na tentativa de obter o animal perfeito, e o criador
criterioso, seleciona com todo cuidado o garanhão e a égua na esperança de
ali obter um produto, que submetido a intransponível barreira da Lei das
Probabilidades, irá consagrá-lo nas pistas.
Todos
turfistas têm exemplos de excelentes cruzamentos em que foram depositadas
enormes esperanças, mas que viraram fumaça quando da campanha do animal.
Em
Cidade Jardim houve um caso de um irmão próprio do grande Boticão de Ouro
que, as duras penas,conseguiu ganhar um páreo comum.
Em
contraposição a isso, um cruzamento que não chamou a atenção de ninguém
à época foi Kuryakin e Exótica e produziu nada menos que a suprema máquina
de corrida chamada Cacique Negro.
Vencida
a barreira das probabilidades, o resultado final esperado é que o animal
possua pelo menos algumas características de seus pais e que tenha o par
velocidade-resistência.
A
sábia Natureza obviamente, não deixaria as coisas serem tão fáceis assim e
via de regra o criador logo percebe ter em mãos um animal com características
de velocidade em detrimento a resistência, e o inverso também, ter um animal
com resistência e uma não tão expressiva velocidade.
Aos
primeiros cabe a excelência das vitórias nas distâncias curtas, tais como
pencas e os mil metros, aos segundos cabe a nobreza das longas distâncias, ao
redor dos 2.400 metros, cujo calendário clássico amplifica de sobremaneira
sua importância, e não poderia ser diferente.
Como
tudo na vida possui extremos, e no turfe não poderia ser diferente, tomemos o
caso dos animais com extrema resistência e necessitam de distâncias
superiores aos 2.400 metros para desenvolver sua campanha.
Infelizmente
o turfe nacional tem uma programação em que as distâncias superiores à
milha e meia são uma raridade, causando com isso a condenação ao ostracismo
desses animais, pois quando muito irão correr três ou quatro páreos no ano.
Em
Cidade Jardim, na década de 80, houve um cavalo que pode ser considerado como
o mais autêntico representante dos cavalos fundistas que surgiram na história
do turfe brasileiro. Seu nome é um paradigma para os criadores do Puro Sangue
Inglês: Anseio.
O
filho de Waldmeister e Skyle combinava a resistência com velocidade e
passeava nos 3.000 metros com uma facilidade incomum. Já nos páreos de 2.400
metros ele encontrava dificuldades e via de regra nem se colocava.
Para
se ter uma idéia de seu potencial, o valoroso cavalo fora bi campeão do Clássico
João Sampaio (3.000 metros) e bi campeão do GP General Couto de Magalhães
(3.200 m).
Uma mais do que justa homenagem a esse cavalo, de propriedade de Pérsio da Silva Alves, criado pelo Haras Santa Ana do Rio Grande e treinado pelo competente treinador Walter Marracini será feita neste espaço.
Montado
inicialmente pelo bridão Luis Correa Silva, e posteriormente pelo eficiente
freio Luiz Antonio Pereira, jockey que o levou à maioria de suas vitórias,
vamos relembrar o seu bi campeonato do Clássico João Sampaio, corrido em
dezembro de 1.987.
Reunidos
nos 3.000 metros de uma raia de grama pesada, o Clássico João Sampaio era
formado por Anseio (L.A. Pereira), Jervão (Gabriel Menezes), Ken Graf (Jorge
Garcia), Beskov (Cláudio Canuto), (Acoré) (Paulo Medina), Conchavo (Welington
Carvalho), Florus (Paulo Santos), Good Welsh (Luis Duarte), Ingot ( Albenzio
Barroso).
Para
o turfista que não conhece a raia de Cidade Jardim, a largada dos 3.000
metros é dada um pouco à frente da seta dos 1.000 metros com duas passagens
pelo disco.
Dada
a largada Jervão toma a ponta em ritmo moderado e segue nessa posição até
o meio da reta, nessa primeira passagem, quando Conchavo forçando um pouco
assume a ponta deixando Jervão em segundo, e vindo a seguir Ingot, Beskov,
Ken Graf, Anseio e os demais. Nessa ordem os fundistas cruzaram o disco na
primeira volta.
Ao
entrarem na curva da direita, Ken Graf, por fora, vai progredindo e ao final
da curva toma o segundo lugar tendo Ingot por perto. Os demais acompanhavam a
movimentação de Ken Graf.
Para
quem pôde ver as corridas de Ken Graf sabe que essa não era hora do cavalo
assumir essa posição.
Na
altura dos 1.500 metros, Ken Graf assume a ponta e o Barroso aciona o Ingot
que passa por Conchavo e toma o segundo lugar, mas os jockeys de Beskov e do
Anseio percebendo esse ritmo, aproximam-se dos ponteiros.
No
final da reta, Ken Graf tem dois corpos à frente de Beskov que assumira o
segundo posto tendo Ingot, Jervão e Anseio logo atrás.
Já
era nítida a impressão que o Gabriel Menezes e o freio Luiz A. Pereira,
jockey de Anseio, estavam se policiando, pois sabiam que um era a diferença
do outro.
Na
curva Beskov vai aproximando-se de Ken Graf, e o Jervão progride e toma o
terceiro lugar tendo Anseio em quarto, já que Ingot já dava por encerrada
sua participação na prova.
Na
entrada da reta já era claro que haveria um final emocionante do páreo, pois
Jervão vai forte para cima do Beskov e passa por este e vai ao encalço do
Ken Graf, e de quebra deixa o Jervão deixa o Beskov sem passagem. O Anseio
que vinha por dentro até o final da curva, é tirado para o centro de raia e
começa a avançar.
O
Gabriel com o Jervão ajusta as rédeas e com uma tocada firme vai para cima
do Ken Graf que ainda mostrava resistência, mas talvez aquela ponta assumida
na reta oposta começava a fazer a diferença para Ken Graf, e Jervão nos 200
finais assume a ponta de uma forma inconteste.
O
jockey do Anseio vendo a desenvoltura do Jervão, aciona a fundo seu pilotado,
e sendo o grande cavalo que foi, Anseio responde plenamente mostrando que não
seriam os 3.000 metros que fariam alguma diferença, pois fôlego é o que não
lhe faltava e dessa forma vai descontando a diferença que o separava do Jervão.
O Gabriel que havia feito um percurso mais do que matemático com seu pilotado, nada poderia fazer para segurar aquele que foi o maior fundista dos últimos tempos no turfe brasileiro, e o jockey L.A. Pereira na altura dos 50 metros, toma a ponta e com toda a elegância da tocada de um jockey de freio, põe o chicote embaixo do braço e cruza o disco levando o bicampeonato da prova.
Anseio - livra pequena vantagem no disco de chegada
Ali
se consagrava a exceção que era o Anseio, cuja resistência e fôlego era
algo mais do que incomum, e sinceramente era um prazer enorme ver aquele
cavalo correr e vencer da forma que vencia. Não houve depois dele, e
certamente dificilmente aparecerá outro nas mesmas condições de qualidade
de emérito fundista. Aquele em que os 2.400 metros poderia ser considerado
como uma distância de penca.
Tanto
que no GP Brasil do mesmo ano, o Anseio ficou fora do marcador. Fosse o GP
Brasil corrido como antigamente, nos rigorosos 3.000 metros e o resultado
seria outro.
Todo criador tem sempre um anseio de um dia ter um cavalo desses, porém esse caso era diferente, pois o Anseio era de todos.